domingo, 20 de março de 2011

O Pastor e a Missão da Igreja


Eis aqui três realidades incontestes. Elas estão intimamente ligadas; são interdependentes. Nenhuma existe sem a outra, embora sejam distintas. Elas não são geradas de si mesmas. São geradas por outra realidade. O maior, o único, Deus.

Ainda que o título do presente artigo apresenta o pastor e a missão da Igreja vamos traçar um caminhar  de reflexão do status e papel pastoral a partir da missão. Ele existe por causa  dela. Gastaremos um bom tempo refletindo sobre o Pastor, a Igreja e a Missão. É reflexão de vida. 

1 - A MISSÃO

A Missão não existe de si mesma. Ela depende de sujeitos. Ela é de alguém e é desenvolvida por alguém. Como repensar o conceito da Missão? A princípio, deve-se entender que este termo não existe na Bíblia e é polissêmico.

Missão vem dos verbos mittere e missum[1] do latim, cujo sentido próprio é deixar ir, deixar partir, soltar, largar, e posteriormente significou mandar, enviar, licenciar, despedir. Neste caso existe uma correlação com o verbo grego àpostéllo que também significa enviar. O substantivo feminino missiõnis tem o sentido próprio de despedida, soltura, libertação, mas cujo significado moral[2] é a ação de enviar, o envio. O substantivo masculino missus tem o sentido próprio de deixar ir ou enviar. O verbo missitõ tem o significado de mandar, enviar muitas vezes, repetidamente. Os termos latinos, normalmente, se referem àquele que enviou, que mandou, que emitiu autoridade. Missor é aquele que lança, que envia, que deixa ir.

Missão significa encargo, incumbência, mandato. Mandato significa autorização que alguém confere a outrem para praticar, em seu nome, certos atos para o seu bem. Isto é diferente de mandado, que significa aquele a quem mandaram, ordem escrita, que emana de autoridade judicial ou administrativa.

Antes de ampliar e aplicar o conceito, deve-se atentar ao fato, deduzido da análise da origem latina do termo, que a missão envolve, pelo menos, dois sujeitos: o enviador e o enviado. Além disso, percebe-se a  existência de um relacionamento íntimo entre eles, posto estarem trabalhando,  para atingir um objetivo comum, cujo maior interesse diz respeito ao enviador.

A história bíblica da criação do universo e do homem demonstra a vívida, profícua e produtiva relação entre o criador e a obra criada.[3] Mas um detalhe muito importante, e que não pode ser desprezado, aparece quando Deus delimita a liberdade de ação do homem, para proteção e manutenção deste relacionamento e da vida mesma.[4] No entanto, o limite foi ultrapassado.[5] O relacionamento foi quebrado em dois níveis: criador/criatura e criatura/criatura.[6] Então o texto bíblico revela que o próprio Deus toma a iniciativa de reatar este relacionamento e define a estrutura e o modelo, a maneira como isto será realizado.[7]

2 -  A MISSIO-DEI

            A este trabalho de reatar o relacionamento quebrado, denominamos de MISSIO-DEI, ou seja, A MISSÃO DE DEUS: O próprio Deus está trabalhando para libertar o homem, escravo de si mesmo, do pecado e de satanás, trazendo-o de volta à verdadeira comunhão com Deus mesmo, e com o próximo, reatando o relacionamento quebrado. É ainda o trabalho que Deus faz, para capacitar o homem, para que este execute em nome de Deus, o trabalho de levar a mensagem da boa nova de redenção, da disposição de Deus em reatar o relacionamento quebrado, para que estes se voltem para junto de Deus, para o bem do homem e para a glória do próprio Deus.
            Veja que a Missio-Dei, somente Deus pode executar. Somente Deus pode trazer de volta a Ele o homem que d'Ele se afastou. Somente o Espírito Santo convence e converte o homem a Deus e capacíta-o a levar a mensagem da redenção para os outros homens.[8]


3 - A MISSIO-ECCLESIAE

            O Deus eterno, o todo poderoso, não trabalha sozinho. Quando da criação do homem, Ele usa o verbo fazer no plural: façamos, mostrando que Ele age em grupo,[9] aquilo que podemos denominar de comunidade celestial, a família celestial. Depois, ele manda  ao homem, administrar adequadamente a obra criada, numa demonstração de confiança e aceitação.[10] Disposto a abençoar todas as famílias da terra, ele chama um rapaz por nome Abrão, faz com ele uma aliança, envía-o com esta tarefa específica e lhe muda o nome para Abraão.[11]
            Mais adiante, o próprio Deus, o Deus impossível de se ver, manifesta-se aos homens na pessoa do Senhor Jesus Cristo, para consumar a obra do restabelecimento do relacionamento vivo entre Deus/homem e homem/homem. Quando de sua volta aos céus, o Senhor Jesus ordenou aos seus discípulos que fossem a todos os cantos da terra, a todas as nações, a todos os povos, para fazer dentre eles, novos discípulos para o Senhor mesmo. No entanto, ele não os deixou sozinhos, desamparados. Ele mesmo prometeu estar com eles, e isto naturalmente nos faz entender o Seu carinhoso trabalho na manutenção do relacionamento, até aos fins dos séculos.[12]
            Para John Stott:[13]

"Missão é uma atividade de Deus, originada da própria natureza de Deus. O Deus vivo da Biblia é um Deus enviador, o que é o significado próprio de missão. Ele enviou os profetas para Israel. Ele enviou Seu Filho para o mundo. Seu Filho enviou os apóstolos, os setenta e a Igreja. Ele também enviou o Espírito para a Igreja e hoje, envía-O para dentro dos nossos corações."

            A MISSIO-ECCLESIAE, ou a MISSÃO DA IGREJA, como enviada que é, se refere a: Levar a denúncia do estado de degradação e degeneração (moral, espiritual, social e físico) do homem, por causa do pecado, que provocou a interrupção do relacionamento com Deus e com o outro homem. Levar também, o anúncio, o ensino, a proclamação e a pregação das boas novas da redenção, da salvação, do Reino de Deus, a toda a criação, para que esta seja, de fato e de verdade, alcançada de maneira integral pelo Deus eterno, criador e sustentador, que quer, de maneira viva, ordenar tudo o que foi desorganizado com a entrada do pecado no mundo, não importando com que roupagem cultural ele queira se esconder.
            No entanto, ao fazer esta denúncia e este anúncio, a Igreja tem que "desafiar" a criação a se submeter ao Reino de Deus: ao poder, ao domínio, à autoridade, à soberania e à dignidade do Deus eterno, o criador do céu, da terra, do mar e de tudo o que neles há, o Pai de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Havendo uma reação favorável, ela tem por obrigação moral o dever de congregá-los e ensiná-los tudo o que o Senhor Jesus mandou. Isto é fazer discípulos!...
            Percebe-se que a MISSIO-ECCLESIAE, ou a MISSÃO DA IGREJA, é abrangente, ela engloba tudo o que a Igreja deve fazer para alcançar o homem afastado de Deus, numa dupla vocação: sendo sal sobre a terra e luz para o mundo. Em 1974, os participantes do Congresso Internacional de Evangelização Mundial, realizado em Lausanne - Suiça, com o coração compungido reafirmaram a posição bíblica de que a MISSÃO DA IGREJA engloba a Evangelização e a Responsabilidade Social.[14] No entanto, é preciso tomar cuidado com esta afirmação, pois ela, naturalmente, tende a levar o homem à uma luta por uma suposta necessidade de que precisa encarar as partes em termos de prioridade. Quem é prioritário? A Evangelização ou a Responsabilidade Social? O próprio John Stott afirma que o evangelismo é prioritário. O risco da dicotomia na Missão da Igreja pode ser encarado como um entrave para esta exercer sua tarefa. Por isso, o missiólogo Sul-Africano, David J. Bosch fez um acréscimo muito importante no  conceito de Missão da Igreja defendido por John Stott em Lausanne 1974. Ele diz o seguinte:

"... em seu compromisso missionário, a Igreja sai de si mesma para o mundo exterior. Cruza toda classe de fronteiras e barreiras: geográficas, sociais, políticas, étnicas, culturais, religiosas e ideológicas. A Igreja leva a mensagem da salvação de Deus a todas essas áreas. Na realidade, a missão implica estar envolvido na redenção do universo e na glorificação de Deus."[15]

            A MISSÃO DA IGREJA origina-se da própria MISSÃO DE DEUS, e é para ser modelada nela. A palavra de Jesus para os discípulos salienta que: "... Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio."[16] Sua base de autoridade é a própria autoridade do Senhor Jesus que disse: "... Toda autoridade me foi dada no céu e na terra."[17] Atualmente estamos falando da MISSÃO INTEGRAL DA IGREJA,  ilustrada no diagrama abaixo, da sua ação que desenvolve ao mesmo tempo, a liturgia, a didaskalia, a diaconia e a poimenia equilibrados, anunciando todo o evangelho, por toda a Igreja, para todos os povos, em todo o tempo.[18]


4 - O PASTOR É UM MISSIONÁRIO

O Pastor é um missionário. A palavra missionário não existe na Bíblia. É um termo que vem do latim e é correspondente ao termo grego apóstolos cujo sentido é mensageiro, enviado. O que é o missionário? O missionário é o escolhido, chamado e separado por Deus e que segue ao Senhor;[19] é o capacitado e o enviado;[20] é o ministro por intermédio de quem as pessoas  crêem em Deus;[21] é  o colaborador de Deus;[22] é o  embaixador de Cristo para a obra da reconciliação do homem com Deus;[23] é o diretor sábio de obras, que lança o fundamento, o alicerce da obra do Senhor.[24] Ele é apenas o servente. Apenas servo; nada mais que servo. Nada de ser colonizador; nada de ser senhor; nada de ser imperador; nada de ser rei. Apenas um vaso de barro onde aparece a beleza e o brilho do Diamante ou da Pérola. É apenas uma bilha de barro! Mas dentro dele tem água fresca saída do manancial de Deus, para tirar a sede das nações sedentas. Jamais o Pastor esquece textos como: Mt 5.13-16;  I Co 4.2; II Co 8.21.

A missão da redenção do homem pecador é sem dúvida a obra mais importante e mais séria que existe na face da terra. Portanto, o pastor não admite, e muito menos permite, fazer a obra sem as qualificações necessárias para tal, seja ele obreiro plantador de igreja ou cuidador de igreja  já plantada.

Ele é homem de confiança da igreja e da sociedade, de boa reputação, cheio do Espírito Santo e de fé, e de sabedoria.[25]

Ele é homem atento ao que Deus quer - que quer querer o que Deus quer - que ele faça, que está atento à orientação do Espírito Santo. Isto porque, para que haja um profícuo desenvolvimento do trabalho da Missão Integral da Igreja existem duas chamadas: O Espírito Santo chama a pessoa, e avisa tanto à pessoa quanto à Igreja; a este fato damos o nome de Chamado Interno. O outro chamado, é que tendo a Igreja ouvido a voz do Espírito Santo sobre o chamado do obreiro, ela Igreja o manda, envia este mesmo obreiro; a este fato damos o nome de Chamado Externo.[26] O Pastor entende que é preciso haver as duas chamadas; a chamada interna e a chamada externa, e que o perigo é haver uma chamada externa sem haver a chamada interna, como sempre temos visto acontecer.

O Pastor sabe que precisa de pelo menos quatro coisas muito importantes para desenvolver bem o seu trabalho: - convicção da chamada e escolha por parte de Deus;
                                 - pessoas levantadas por Deus para trabalhar com ele;
                                 - métodos e planos corretos dados por Deus, e
                                 - inteira e exclusiva dependência do Espírito Santo de Deus.
Ele é obediente à comissão que Deus lhe deu. Ele ama o Senhor, a Palavra do Senhor, o povo do Senhor e a obra do Senhor.

O Senhor Jesus Cristo, que enviou os seus apóstolos mediante a sua grande comissão, foi o primeiro a obedecer inteiramente à sua própria comissão.[27] Da mesma forma, o apóstolo, ou missionário, ou evangelista, o corajoso desbravador é o homem que abre as picadas com profunda e terna compaixão, buscando, nos montes e nos vales, a ovelha perdida, pregando as boas novas pelo amor que redime. Professores: ganhadores e consolidadores.

O Pastor pode ser obreiro de tempo integral ou obreiro de tempo parcial, aqueles que hoje são chamados de: os fazedores de tendas, homens e mulheres que usam a sua profissão a serviço da missão. Mas ele não se esquece que deve estar disposto a ser transformado. Ele não se encontra pronto; ele vai ser trabalhado e vai ser formado o obreiro que a missio-Dei/missio-ecclesiae precisa ter.  Seu caráter é ilibado. Sua personalidade está em constante transformação para o melhor.      
Atento à voz do Espírito Santo, quando qualquer decisão tem que ser tomada e não há sinal de paz interior dentro do obreiro, espera pelo Senhor e no Senhor.  Ele sabe que não precisa ter todos os dons para ser bom obreiro. Precisa, na verdade, é ser fiel. Pistós.[28]Porém, precisa do poder do alto, poder do Espírito Santo, para ser bom obreiro. Por esta razão o obreiro faz uma guarda de oração - uma vigília de oração - pela igreja, durante as 24 horas do dia; com uma pessoa por hora. Ele tem pessoas para isso. Ele não se deixar afobar por causa da situação crítica do campo e/ou das Igrejas.
           
Numa outra oportunidade continuaremos a nossa reflexão sobre nossa vida – o Pastor, a Igreja, a Missão. Nesse momento não tivemos tempo e falar sobre a Igreja. Não faltará oportunidade.

Deus nos abençoe!

Stephenson Soares Araújo.
25/11/2000

  [1] - FARIA, Ernesto. Dicionário Escolar Latino Português. 6ª ed., 2ª tiragem, Rio de Janeiro: FAE, 1985. p 343. 
  [2] - Ibid., 342.
[3] - Veja Gênesis 1 e 2.
[4] - Veja Gn 2.15-17.
[5] - Veja Gn 3.1-6.
  [6] - Veja Gn 3.7-4.24.
 [7] - Veja Gn 3.9, 11, 15.
 [8] - Veja Rm 1.1-6 e II Co 5.18-20.
 [9] - Veja Gn 1.26-27.
[10] - Veja Gn 1.28; 2.15,19-20.
 [11] - Veja Gn 12.1-3; 17.4-5.
 [12] - Veja Mt 28.18-20.
 [13] - STOTT, John R. W. The Biblical Basis of Evangelism. In: LAUSANNE. International Congress on World Evangelization. Let The Earth Hear His Voice. J. D. Douglas (ed.), n. print., Minneapolis: World Wide, 1975. p 66. (A traducão nossa.).
 [14] - LAUSANNE. International Congress on World Evangelization. Let The Earth Hear His Voice. J. D. Douglas (ed.), n. print., Minneapolis: World Wide, 1975. 1471 p.
[15] - BOSCH, David J. Evangelismo. In: Mission. Dezembro de 1977. p 7-14. (Tradução nossa.).
[16] - Jo 20.21.
 [17] - Mt 28.18.
[18] - A leitura dos textos alistados a seguir, por certo abrirão a visão do leitor, sobre a realidade da Missão Intergral da Igreja: Gn 12.1-3; Mt 4.23; 9.35-38; 4.19 e 28.19; Mt 24.14; Mc 1.32-34, 38-39; Lc 2.51 e Jo 19.25-26a; Jo 20.11-18; At 1.8; II Tm 4.1-2; Ap 5.9-10; 7.9-10; 10.11.
 [19]- Conforme  Mt 4.18-22;  Rm 1.1;  I Co 1.1; II Co 1.1; Gl 1.1; Ef 1.1; Fl 1.1; Col 1.1; I Tm 1.1; II Tm 1.1; Tt 1.1; Tg 1.1; I Pe 1.1; II Pe 1.1; Jd 1.
 [20]- Conforme Mt 4.19; 10.1-42; 28.18-20; Mc 16.15; Jo 17.18; 20.21-23.
 [21]- Conforme I Co 3.5.
  [22]- Conforme I Co 3.9.
 [23]- Conforme II Co 5.20.
  [24]- Conforme I Co 3.10.
 [25]- Veja At 6.3.
 [26]- Veja At 13.1-4
 [27]- Veja Hb 3.1; Jo 6.38; 10.36; 17.18; 20.21. Apóstolo, profeta, evangelista, pastor, mestre. Todos em Cristo Jesus, conforme Ef 4.11. 
[28]- Veja I Co 4.2.

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