sábado, 4 de junho de 2011

INTRODUÇÃO AO EVANGELISMO - UM MODO DE REPENSAR.


1 - INTRODUÇÃO AO EVANGELISMO

            1.1 - Deus criou o homem.

‘Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra. Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus os criou: homem e mulher os criou. E Deus os abençoou, e lhes disse: Sêde fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, e sobre todo animal que rasteja pela terra... Então formou o Senhor Deus ao homem do pó da terra, e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente”[1]

            Deus concedeu ao homem, quando da sua criação, pelo menos sete dos Seus poderes, e que constituem a imagem e semelhança de Deus no homem, os quais podem ser alistados como se seguem:
                        01 - poder de raciocinar;
                        02 - poder de querer ou de exercer a vontade;
                        03 - poder de sentir;
                        04 - poder de consciência própria;
                        05 - poder de direção própria (livre arbítrio);
                        06 - Poder de amar;
                        07 - Poder de exercer domínio sobre a obra criada por Deus.

            1.2 - O que aconteceu com o homem.

            Com a entrada do pecado no mundo, e com a conseqüente queda do homem, este não perdeu seus poderes, senão que estes ficaram de tal maneira descontrolados, desequilibrados,[2] que o homem iniciou um processo de desintegração de sua própria raça que caminha a passos largos para a perdição, afastando-se a cada dia do Deus Eterno e de Seu propósito de comunhão com a obra criada.[3]

            1.3 - Relevância do Evangelismo.

            O projeto de salvação que Deus tem para o homem, o projeto de redenção do homem perdido, a "Missio-Dei", consiste no trabalho que o próprio Deus faz para procurar o homem afastado de Deus e em reordenar, em reorganizar estes poderes no homem, dentro do próprio homem, libertando-o da escravidão de si mesmo, do pecado e de satanás, restaurando nele a imagem decaída, trazendo-o de volta a Deus mesmo, reatando o relacionamento quebrado, promovendo a plena "KOINONIA" entre Deus/homem, homem/Deus e homem/homem.
            O próprio Deus veio em forma de homem para realizar esta tarefa tão séria; mas Ele por sua própria vontade não quis realizá-la sozinho e nomeou por sua própria sabedoria, vontade, liberdade, poder e graça, alguns homens para, através dos tempos, e em todos os tempos, trabalhar com Ele nesta tarefa inaudita, até à sua volta, quando então receberá aqueles que se submeteram ao Seu poder, à Sua autoridade, à Sua soberania, ao Seu domínio, à Sua dignidade. A tarefa destes homens pode ser denominada de "MISSIO-ECCLESIÆ",[4] que é recebida apenas como, e por graça do próprio Deus Eterno.[5]
            Como se trata da reorganização de poderes, Deus sabia que estes homens escolhidos para ajudá-Lo necessitariam de um outro poder. Deus concedeu a estes homens, a nós, enquanto Igreja que somos, agora e em todos os tempos, o poder de ser testemunhas d'Ele, no meio de homens cujos poderes básicos da vida estão totalmente desgovernados.
                        Seguindo o raciocínio de poderes estabelecidos, de agora em diante, dizendo: estrutura de poder social, pode-se dizer que o desenvolvimento da "MISSIO-DEI/MISSIO-ECCLESSIÆ" é um processo de confronto de poderes.
            Além dos poderes desorganizados que existem no homem, os quais queremos - Deus e nós - organizar, havemos de enfrentar os poderes daquele que se opõem abertamente à obra de Deus, os poderes do reino das trevas, aos quais teremos que vencer. Mas não são somente estes poderes com os quais depararemos, pois não podemos esquecer que existem ainda as estruturas de poder social, que exercem grande influência no desenvolvimento da
"MISSIO-DEI/MISSIO-ECCLESIÆ".
            Veja só o confronto de poderes: O poder de Deus, os poderes que estão desorganizados dentro do homem, o poder que outros homens receberam para serem testemunhas de Deus, o poder das trevas e o poder das estruturas sociais.

            Dois aspectos muito importantes se manifestam na evangelização: um negativo e um positivo, pois ela é uma forma de exercício de poder. O negativo diz respeito ao ensino que o homem deverá receber que o mostra o que largar, do que abrir mão; o positivo, ao que ele precisa receber. O processo de evangelização ensina ao homem o que precisa sair e entrar em sua vida. Isto é confronto de poder.
            É possível partir deste tema, como confronto de poderes, posto existir uma grande relação entre a "evangelização" e a "autoridade", que é o exercício do poder.[6] No entanto, deve-se considerar o exercício do poder, tendo em vista o fato de que com a evangelização, o que se pretende, é desviar o homem perdido, o homem afastado de Deus, de uma determinada rota X (insubmissão, pecado, rebelião, desordens no seu interior) para uma rota Y (submissão à autoridade, ao domínio, ao poder, à soberania e à dignidade de Deus, em Jesus Cristo). Para promover tal desvio, é preciso ter autoridade: quem tem autoridade pode exercer o poder, em nome de quem o deu, e para quem o deu.
            Textos bíblicos relatam que o Deus Eterno, deu autoridade às pessoas que Ele enviou para realizarem o trabalho da "evangelização".[7] Mesmo porque, esta só seria realizada a contento, por homens que realmente estivessem investidos de autoridade, conforme nos mostra o Senhor Jesus Cristo nos Evangelhos e no início do livro dos Atos dos Apóstolos. Isto salienta mais a verdade que não pode ser esquecida, que esta autoridade não é gerada no e muito menos do próprio homem.
            A relação existente entre "evangelização" e a "autoridade", ou seja, "o exercício do poder", pode e tem gerado problemas. E o problema mais sério que a história da Igreja tem mostrado e que tem sido muito abundante no momento, na atual conjuntura, é este: Na obra da evangelização, não deve, mas pode, e tem acontecido manipulação tanto de pessoas, quanto de dados, recursos técnicos e de forças espirituais. O evangelista manipula o evangelizando; o evangelizando manipula o evangelista. Homens manipulando tanto homens, quanto dados, recursos técnicos,  forças espirituais, poderes e divindades para garantir autoridade sobre homens.[8]
            É preciso afirmar com muita evidência que não existe, não se realiza, uma evangelização eficaz, sem o exercício do poder. Por isso, obriga-se ao evangelista fazer uma análise das estruturas de poder social envolvidas com a evangelização, para entender como é gerada e gerenciada a manipulação no processo da evangelização.
            Isto porque, se o exercício do poder, na relação "evangelização/autoridade" é feito pela manipulação tanto de homens, quanto de dados, recursos técnicos e forças espirituais, ocorrerá a formação de comunidade que manifestará mudança destituída de mudança. Ora, a formação de comunidade que manifesta mudança com verdadeira mudança, é o resultado do exercício do poder, na relação "evangelização/autoridade", sem manipulação tanto de homens, quanto de dados, recursos técnicos e forças espirituais.

            1.4 - Objetivo deste trabalho.

            Repensar a evangelização a partir do conceito que os escritores do Novo Testamento lhe deram, revendo-a na história da Igreja primitiva, discutindo as práticas hodiernas, segundo o paradigma da Missão Integral da Igreja, afim de propor princípios para desenvolvimento do evangelismo contextualizado, como um processo de vida, que ajuda o outro a adorar a Deus como Deus que é e porque é Deus em espírito e em verdade, destituído de qualquer elemento de manipulação, que não traz a honra para métodos ou técnicas, mas  que conduz o homem de volta a Deus, a quem pertencem toda honra e toda glória.

Apenas iniciamos esse repensar. Longa estrada nos espera. Continuaremos no próximo artigo; vamos repensar a evangelização.
Um abraço.
Deus nos abençoe!

Stephenson Soares Araújo.
12/01/2009.



[1]- Gn 1.26-28; 2.7.
[2] - Este descontrole e desequilíbrio no uso dos seus poderes é a característica básica da "perda" da semelhança com Deus. No original, as palavras do hebraico Çelem (imagem) e Dêmût (semelhança) , foram usadas para reforço da idéia, mostrando não haver diferença entre imagem e semelhança, dando a entender que, de fato, o homem reflete as características do Deus Todo-poderoso, o Criador, tendo recebido as funções de dominar (râdhâh) e sujeitar (kôbhash) a terra. Este era o seu status original dado por Deus: ser senhor do mundo. No entanto, não é possível deixar de mencionar alguns poderes, ou características que o homem "perdeu", como: a santidade, o amor, a boa vontade, a justiça, a luz e a vida eterna, ainda que não tenha perdido "in toto" a capacidade de desenvolvê-los. De dominador o homem passou a ser dominado. Em Deus, aqueles poderes agem com um perfeito equilíbrio manifestando, constantemente, estas outras qualidades.
[3] - Este relato nós o encontramos nos textos da Gênesis, nos capítulos de 4 a 11.  Veja   BERKHOF, L. Teologia Sistemática. 5. ed. Espanhola, Revisada.  Grand  Rapids:  T.E.L.L,  1981. p. 238 - 249.; CARRIKER, Timóteo. Missão Integral. Uma  Teologia  Bíblica. ed. s/n. São Paulo: Sepal, 1992. p. 19 - 20.;  FINNEY,  Charles G. Finney's  Systematic  Theology.  ed.  s/n.   Minneapolis:  Bethany Fellowship, 1976. p. 71 - 114, 150 - 164.; LANGSTON, A. B.  Esboço de Teologia Sistemática. 5. ed. Rio de Janeiro: JUERP, 1977. p. 34 - 35, 130 - 145.; STRONG, Augustus  H. Systematic  Theology.  32. Printing. Old Tappan:  Fleming  H.  Revell Company, 1979. p. 497 - 532.; TILLICH,  Paul.  Teologia Sistemática. ed. s/n.  São  Paulo: Paulinas e Sinodal, p. 217 - 218, 269 - 282.
[4] - Um desenvolvimento  muito  rico, desta idéia da "MISSIO-ECCLESIÆ, e também da MISSIO-DEI, podemos encontrar em: CARRIKER, Timóteo. Missão Integral.  Uma  Teologia  Bíblica. ed.  s/n. São Paulo: Sepal, 1992. p. 36, 167, 168, 170, 267.
[5] - É preciso entender que a tarefa da redenção é obra exclusiva de Deus. Somente Ele pode regenerar o homem. No entanto, a parte que cabe aos homens escolhidos para atuarem nesta tarefa, diz respeito ao anúncio sobre esta redenção e dos meios como ela se processa. Veja dentro de seu contexto próximo, o texto de Rm 1.5.
[6] - Veja   Gn 12.1-3;  Is 52;  61;  Ez 2; 3;   Mt 21.23-27;     Mc 11.27-33;   Lc 20.1-8;  Mt 28.18-20;  Lc 24.44-49;  Jo 15.16;    Jo 17.13-21;  At 1.6-8;  Rm 1.1-7; I  Co 1.1-3;  Gl 1.1-5;     Ef 1.1-2; I Tm 1.1-2; Tt 1.1-4; I Pe 1.1-2; Ap 1.
[7] - Veja nota de rodapé nº 11.
[8] - Veja Mt 20.20-28; Mc 10.35-45; Lc 12.13-15; 20.45-47; Jo 6.22-27, 60-71; 12.20-43; 19.10-16; I Pe 5.1-4; III Jo 9-11. Veja ainda: DEKKER, John. Tochas de Júbilo. 1. ed. Miami: Vida, 1988. p. 55, 132, 169 - 170.; NEILL, stephen. História das Missões. 1. ed. São Paulo: Vida Nova, 1989. p. 526 - 527.; RICHARDSON, Dom. O Totem da Paz. 1. ed. Belo Horizonte: Betânia, 1978. p. 29-79.; TUCKER, Ruth A. "...E Até Aos Confins  da Terra."  1.  ed.  São Paulo: Vida Nova, 1986. p. 449 - 516.