sábado, 17 de setembro de 2011

REPENSANDO CONCEITOS DE EVANGELIZAÇÃO



2 - REPENSANDO  CONCEITOS DE EVANGELIZAÇÃO

            O que é evangelismo? O que é evangelização?

            2.1 - O conceito da  Igreja Anglicana

            Um grupo de arcebispos da Igreja Anglicana definiu evangelização da seguinte maneira:

"Evangelizar é de tal maneira apresentar a Cristo Jesus no poder do Espírito Santo, que homens e mulheres venham a confiar em Deus através d'Ele, aceitando-O como Salvador e servindo-O como Rei, dentro da comunhão da Igreja."[1]

2.2 - O conceito de Lausanne

            No final dos anos 70, John Stott,[2] ao definir a evangelização, a definição de Lausanne, diz que a natureza do evangelismo é a comunicação das Boas Novas. O propósito do evangelismo é oferecer às pessoas uma oportunidade válida de aceitar Jesus Cristo. O alvo do evangelismo é persuadir homens e mulheres a aceitarem Jesus Cristo como Senhor e Salvador servindo-O dentro da comunhão de Sua Igreja

            2.3 - Problemas com estes conceitos

            A discussão sobre o conceito e os métodos de evangelismo é muito grande e por certo não foi e não será fácil chegar a um consenso, razão pela qual a Igreja precisa estar atenta, se realmente ela quer desenvolver adequadamente a Missão Integral da Igreja. Os dois conceitos acima são tendentes a considerar apenas a questão quantitativa.

            2.4 - Algumas considerações sobre o evangelismo

            Vamos passar os olhos em pelo menos oito aspectos discutidos por David J. Bosch[3] e que precisam ser considerados com muito cuidado e sobriedade sobre o  evangelismo:


            2.4.1 - O evangelismo é o núcleo, o coração, o centro da missão;
            2.3.2 - O evangelismo procura integrar pessoas à comunidade visível dos crentes;
            2.4.3 - O evangelismo é dar o testemunho do que Deus fez, está fazendo e fará. Não 
                        anuncia nada que venha de nós mesmos, mas procura dirigir a atenção das
                        pessoas ao que Deus fez e faz;
            2.4.4 - O evangelismo é um convite; nunca deve se deteriorar ao ponto de ser uma                       coação e muito menos  uma ameaça;
            2.4.5 - O evangelismo é possível somente quando a comunidade que evangeliza - a
                       Igreja - é uma manifestação radiante da fé cristã e tem um estilo de vida
                       atrativo;
            2.4.6 - Evangelizar é correr riscos por pelo menos em dois sentidos: no primeiro, o
                        evangelista ou a igreja-evangelizadora não controla a maneira pela qual o
                        evangelho "opera na vida", no contexto dos seus ouvintes. O evangelho pode                         surpreendê-los ou perturbá-los; no segundo, a mudança na extensão     
                        evangelística: o verdadeiro evangelista não pode evitar o risco de que sua
                        compreensão de Cristo seja corrigida durante a evangelização;
            2.4.7 - Aqueles que respondem positivamente ao evangelismo recebem a salvação
                        como um dom presente e com ela a certeza da bênção eterna;
            2.4.8 - O evangelismo não oferece apenas um oportunidade pessoal a indivíduos. O
                       evangelismo é chamar as pessoas a se tornarem discípulos de Jesus, é 
                       envolver as pessoas com a missão, uma missão tão ampla como a de Jesus.

            2.5 - O conceito bíblico Neo-testamentário

            Para repensar a evangelização, é preciso ver a origem do termo, e em qual  sentido ele era empregado por aqueles que primeiramente o usaram.
            A palavra evangelismo vem do termo grego EVAGGELÍZO que se refere ao conteúdo da palavra, à boa mensagem, às boas novas do reino vindouro de Deus, e da salvação nele outorgada por intermédio de Cristo, e do que se relaciona com esta salvação. Evangelizar é palavra que vem do grego; o infinitivo é EVANGGELÍZEIN; na voz média é EVAGGELÍZOMAI  é trazer ou anunciar o evangelho, do grego EVAGGELION, as boas novas do Messias de Deus.
            Percebe-se que evangelizar é proclamar, anunciar a boa nova - o reino do céus (ou de Deus) chegou. Esta é a boa nova. Jesus Cristo veio, está presente e vai voltar. Mas, o que é, ou como é o proclamar? proclamar é anunciar como arauto.
            Neste caso precisamos ver alguns exemplos de arautos:
            2.5.1 - Em Gn 41.41-43 entendemos que José tinha uma posição especial, roupa
                        especial o povo sabia que era oficial do rei.
            2.5.2 - Em Lc 3 João Batista é tido como o arauto, o precursor do Senhor.
            2.5.3 - Quando olhamos para a vida do nosso querido Senhor e Salvador Jesus
                        Cristo percebemos que não se pode separar a mensagem da pessoa do arauto.

            Desta forma podemos entender que o proclamar está relacionado com a vida do arauto; sua maneira de vestir, de falar, de ser, de trabalhar. Relaciona-se àquilo que nós somos.[4] A ênfase não é no que faz e sim no que é em Cristo. É uma questão de vida e de palavra. O correto é: eu falo porque sou arauto. O errado é como muitos estão vivendo e dizendo:  eu sou arauto porque falo.[5] O povo precisa ouvir e ver. Às vezes os olhos são maiores que os ouvidos. Neste caso o arauto não pode se esquecer que seu compromisso é com o Rei - ele é por causa daquilo que o Rei é e pelo que o Rei falou. Ele é leal ao Rei e à palavra do Rei.[6] É questão de vida e palavra.
            No desenvolvimento da Missão Integral, a Igreja se envolve plena e completamente em todos os aspectos da vida do ser humano. Ela não pode vê-lo e tratá-lo como um ser dicotomizado, e descontextualizado. A evangelização não pode ser medida que ensina uma coisa e faz outra. Ela não pode ver o homem ora como um ser que é espiritual e ora com um ser que é material. Esta dicotomia está levando a evangelização ao extremo, tratando-o ora como um cidadão celestial, que nada tem a haver com a pátria terrestre; ou o contrário, como um cidadão terrestre, que nada tem a haver com a pátria celestial. E podemos confessar, não é fácil manter o fiel da balança exatamente no meio.

            2.6 - O nosso conceito

            Seguindo o raciocínio da análise da estrutura da MISSIO-DEI /MISSIO-ECCLESIAE, afirmamos que a evangelização é um processo e não apenas a aplicação de técnicas que garantirão para as igrejas alguns dividendos humanos, e a definimos da seguinte maneira: A evangelização é o trabalho que a Igreja faz, debaixo do poder do Espírito Santo, para mostrar ao homem que ele está afastado do Deus Eterno, o criador e sustentador de todas as coisas, que ele não é submisso a Ele, o único Deus verdadeiro, por livre e espontânea vontade. Razão pela qual ele, ao mesmo tempo que é escravo, escravisa o outro, desenvolvendo um tremendo processo de injustiça, que leva o homem à desintegração, à degeneração de sua raça. A evangelização é também, o anúncio de que este mesmo Deus preparou para o homem a maneira correta de se voltar para Deus, por livre e espontânea vontade, e colocar sua vida debaixo do domínio, do poder, da soberania, da autoridade e da dignidade de Deus, fazendo um convite para este homem receber a Jesus Cristo como Senhor e Salvador, confessando os seus pecados, abandonando e trabalhando contra toda forma de injustiça, colocando sua vida à disposição da Sua missão, para, na Sua comunhão, buscar outros homens perdidos.

            Ao desenvolvermos esta afirmação, levamos em consideração os seguintes pontos:

            2.6.1 - a evangelização não pode ser definida em termos de resultados porque não é
                        este o sentido dado pelos autores do novo testamento;
            2.6.2 - a evangelização não pode ser definida em termos de métodos;
            2.6.3 - a evangelização pode e deve ser definida somente em termos da mensagem,
                        através dos eventos, dos testemunhos, das promessas e das exigências do
                        evangelho.

            2.7 - Quatro formas de evangelização usados na Igreja primitiva

            A Igreja precisa repensar as quatro formas de evangelização mais usadas atualmente como sendo:
            2.7.1 - contar boas notícias, do grego euaggelizesthai = contar as boas notícias do
                        Reino de Deus ou simplesmente daquele que começa este reino, Jesus.
                        Contar as boas novas do Reino, mantendo Jesus no centro das boas novas.
            2.7.2 - proclamação, do grego kerygma = pregação, anúncio, denúncia, ensino, para                    apresentar ao homem todo conselho de Deus, e o conselho todo;
            2.7.3 - presença, do grego martyria = dar testemunho de vida, de conduta, a
                        diaconia;
            2.7.4 - persuasão, do grego apologia = apologética, discussão, onde nem sempre
                        existe lugar para o diálogo. Esta tem sido uma arma muito usado por aqueles
                        que, não respeitando a dignidade do outro, o manipula
                        desavergonhadamente, em defesa do reino. Não são poucos os casos
                        conhecidos em que a hostilidade e a abordagem rude manifesta a dificuldade
                        de conquistar a amizade e a boa-vontade     
                        do outro conduzindo-o, muitas vezes, por um caminho amargo, duro, através
                        da agressão e da zombaria.[7]

            Este repensar deve ser feito levando em conta que o evangelho é realmente o evangelho do Reino, e que este Reino é a expressão detalhada do cuidadoso controle de Deus sobre a totalidade da vida. Desta forma a Igreja não pode se esquecer que ela está envolvida com o Deus que por natureza de Seu reinado sustenta a justiça e a eqüidade, cuida dos estrangeiros, das viúvas e dos órfãos e liberta os pobres e os presos.
            Seguindo esta linha de pensamento, podemos deixar para discussão a maneira como David J. Bosch[8] resume o evangelismo:

"O evangelismo se pode definir como aquela dimensão e atividade da Missão da Igreja que procura oferecer a cada pessoa, em todas as partes, uma oportunidade válida de ser desafiada diretamente pelo evangelho de fé explícita em Jesus Cristo, com a visão de entregar-se a ele como Salvador, fazer-se membro vivo de sua comunidade e arrolar-se em seu serviço de reconciliação, paz e justiça na terra."

Continuamos a nossa longa caminhada na introdução ao evangelismo. Sabe, isso faz bem à saúde! Continuaremos! No próximo artigo conversaremos um pouco sobre a base bíblica do evangelismo. Quais os princípios apresentados na Bíblia devem ser aplicados no evangelismo?
Deus nos abençoe!

Stephenson Soares Araújo.
12/01/2009.


[1] - Devo esta citação a WAGNER, Peter. Estratégias para o Crescimento da Igreja. 1ª ed., São Paulo: Sepal, 1991. p 139. Nas páginas de 123 a 142 ele faz uma discussão sobre como usar a evangelização para promover o crescimento quantitativo da Igreja. Na página 141, ele também comenta sobre a definição de Laussane,  e afirma que gosta de todas duas porque ele é daqueles tipo de pessoa que se orienta por objetivos e a ele agrada o "fazer de tal maneira...que.."
[2] - - STOTT, John R. W. The Biblical Basis of Evangelism. In: LAUSANNE. International Congress on World Evangelization. Let The Earth Hear His Voice. J. D. Douglas (ed.), n. print., Minneapolis: World Wide, 1975. p 68-71. (Traducão nossa.).
[3] - Para uma melhor compreensão desta discussão, deve ser lido o texto completo de: BOSCH, David J. Evangelismo. In: Mission. Dezembro de 1977. p 7-14. (O destaque e a tradução são nossos.).
[4]- Veja At 1.8. “Sereis” minhas testemunhas, disse o Senhor Jesus. É questão de ser!...
[5]- Neste caso é preciso dar uma estudada em I Co 2.
[6]- Veja I Co 4.1-5.
[7]- Para uma melhor compreensão desta realidade o leitor deve ler o trabalho de Michael Green sobre os Métodos de Evangelização na Igreja Primitiva, principalmente a parte que fala sobre a Evangelização pela Literatura, pags: 273 - 279;  In: GREEN, Michael. A Evangelização na Igreja Primitiva. 1ª ed. São Paulo: Vida Nova. 1984. 341 p.
[8] - Ibid., p 13. (tradução nossa.).


sábado, 4 de junho de 2011

INTRODUÇÃO AO EVANGELISMO - UM MODO DE REPENSAR.


1 - INTRODUÇÃO AO EVANGELISMO

            1.1 - Deus criou o homem.

‘Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra. Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus os criou: homem e mulher os criou. E Deus os abençoou, e lhes disse: Sêde fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, e sobre todo animal que rasteja pela terra... Então formou o Senhor Deus ao homem do pó da terra, e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente”[1]

            Deus concedeu ao homem, quando da sua criação, pelo menos sete dos Seus poderes, e que constituem a imagem e semelhança de Deus no homem, os quais podem ser alistados como se seguem:
                        01 - poder de raciocinar;
                        02 - poder de querer ou de exercer a vontade;
                        03 - poder de sentir;
                        04 - poder de consciência própria;
                        05 - poder de direção própria (livre arbítrio);
                        06 - Poder de amar;
                        07 - Poder de exercer domínio sobre a obra criada por Deus.

            1.2 - O que aconteceu com o homem.

            Com a entrada do pecado no mundo, e com a conseqüente queda do homem, este não perdeu seus poderes, senão que estes ficaram de tal maneira descontrolados, desequilibrados,[2] que o homem iniciou um processo de desintegração de sua própria raça que caminha a passos largos para a perdição, afastando-se a cada dia do Deus Eterno e de Seu propósito de comunhão com a obra criada.[3]

            1.3 - Relevância do Evangelismo.

            O projeto de salvação que Deus tem para o homem, o projeto de redenção do homem perdido, a "Missio-Dei", consiste no trabalho que o próprio Deus faz para procurar o homem afastado de Deus e em reordenar, em reorganizar estes poderes no homem, dentro do próprio homem, libertando-o da escravidão de si mesmo, do pecado e de satanás, restaurando nele a imagem decaída, trazendo-o de volta a Deus mesmo, reatando o relacionamento quebrado, promovendo a plena "KOINONIA" entre Deus/homem, homem/Deus e homem/homem.
            O próprio Deus veio em forma de homem para realizar esta tarefa tão séria; mas Ele por sua própria vontade não quis realizá-la sozinho e nomeou por sua própria sabedoria, vontade, liberdade, poder e graça, alguns homens para, através dos tempos, e em todos os tempos, trabalhar com Ele nesta tarefa inaudita, até à sua volta, quando então receberá aqueles que se submeteram ao Seu poder, à Sua autoridade, à Sua soberania, ao Seu domínio, à Sua dignidade. A tarefa destes homens pode ser denominada de "MISSIO-ECCLESIÆ",[4] que é recebida apenas como, e por graça do próprio Deus Eterno.[5]
            Como se trata da reorganização de poderes, Deus sabia que estes homens escolhidos para ajudá-Lo necessitariam de um outro poder. Deus concedeu a estes homens, a nós, enquanto Igreja que somos, agora e em todos os tempos, o poder de ser testemunhas d'Ele, no meio de homens cujos poderes básicos da vida estão totalmente desgovernados.
                        Seguindo o raciocínio de poderes estabelecidos, de agora em diante, dizendo: estrutura de poder social, pode-se dizer que o desenvolvimento da "MISSIO-DEI/MISSIO-ECCLESSIÆ" é um processo de confronto de poderes.
            Além dos poderes desorganizados que existem no homem, os quais queremos - Deus e nós - organizar, havemos de enfrentar os poderes daquele que se opõem abertamente à obra de Deus, os poderes do reino das trevas, aos quais teremos que vencer. Mas não são somente estes poderes com os quais depararemos, pois não podemos esquecer que existem ainda as estruturas de poder social, que exercem grande influência no desenvolvimento da
"MISSIO-DEI/MISSIO-ECCLESIÆ".
            Veja só o confronto de poderes: O poder de Deus, os poderes que estão desorganizados dentro do homem, o poder que outros homens receberam para serem testemunhas de Deus, o poder das trevas e o poder das estruturas sociais.

            Dois aspectos muito importantes se manifestam na evangelização: um negativo e um positivo, pois ela é uma forma de exercício de poder. O negativo diz respeito ao ensino que o homem deverá receber que o mostra o que largar, do que abrir mão; o positivo, ao que ele precisa receber. O processo de evangelização ensina ao homem o que precisa sair e entrar em sua vida. Isto é confronto de poder.
            É possível partir deste tema, como confronto de poderes, posto existir uma grande relação entre a "evangelização" e a "autoridade", que é o exercício do poder.[6] No entanto, deve-se considerar o exercício do poder, tendo em vista o fato de que com a evangelização, o que se pretende, é desviar o homem perdido, o homem afastado de Deus, de uma determinada rota X (insubmissão, pecado, rebelião, desordens no seu interior) para uma rota Y (submissão à autoridade, ao domínio, ao poder, à soberania e à dignidade de Deus, em Jesus Cristo). Para promover tal desvio, é preciso ter autoridade: quem tem autoridade pode exercer o poder, em nome de quem o deu, e para quem o deu.
            Textos bíblicos relatam que o Deus Eterno, deu autoridade às pessoas que Ele enviou para realizarem o trabalho da "evangelização".[7] Mesmo porque, esta só seria realizada a contento, por homens que realmente estivessem investidos de autoridade, conforme nos mostra o Senhor Jesus Cristo nos Evangelhos e no início do livro dos Atos dos Apóstolos. Isto salienta mais a verdade que não pode ser esquecida, que esta autoridade não é gerada no e muito menos do próprio homem.
            A relação existente entre "evangelização" e a "autoridade", ou seja, "o exercício do poder", pode e tem gerado problemas. E o problema mais sério que a história da Igreja tem mostrado e que tem sido muito abundante no momento, na atual conjuntura, é este: Na obra da evangelização, não deve, mas pode, e tem acontecido manipulação tanto de pessoas, quanto de dados, recursos técnicos e de forças espirituais. O evangelista manipula o evangelizando; o evangelizando manipula o evangelista. Homens manipulando tanto homens, quanto dados, recursos técnicos,  forças espirituais, poderes e divindades para garantir autoridade sobre homens.[8]
            É preciso afirmar com muita evidência que não existe, não se realiza, uma evangelização eficaz, sem o exercício do poder. Por isso, obriga-se ao evangelista fazer uma análise das estruturas de poder social envolvidas com a evangelização, para entender como é gerada e gerenciada a manipulação no processo da evangelização.
            Isto porque, se o exercício do poder, na relação "evangelização/autoridade" é feito pela manipulação tanto de homens, quanto de dados, recursos técnicos e forças espirituais, ocorrerá a formação de comunidade que manifestará mudança destituída de mudança. Ora, a formação de comunidade que manifesta mudança com verdadeira mudança, é o resultado do exercício do poder, na relação "evangelização/autoridade", sem manipulação tanto de homens, quanto de dados, recursos técnicos e forças espirituais.

            1.4 - Objetivo deste trabalho.

            Repensar a evangelização a partir do conceito que os escritores do Novo Testamento lhe deram, revendo-a na história da Igreja primitiva, discutindo as práticas hodiernas, segundo o paradigma da Missão Integral da Igreja, afim de propor princípios para desenvolvimento do evangelismo contextualizado, como um processo de vida, que ajuda o outro a adorar a Deus como Deus que é e porque é Deus em espírito e em verdade, destituído de qualquer elemento de manipulação, que não traz a honra para métodos ou técnicas, mas  que conduz o homem de volta a Deus, a quem pertencem toda honra e toda glória.

Apenas iniciamos esse repensar. Longa estrada nos espera. Continuaremos no próximo artigo; vamos repensar a evangelização.
Um abraço.
Deus nos abençoe!

Stephenson Soares Araújo.
12/01/2009.



[1]- Gn 1.26-28; 2.7.
[2] - Este descontrole e desequilíbrio no uso dos seus poderes é a característica básica da "perda" da semelhança com Deus. No original, as palavras do hebraico Çelem (imagem) e Dêmût (semelhança) , foram usadas para reforço da idéia, mostrando não haver diferença entre imagem e semelhança, dando a entender que, de fato, o homem reflete as características do Deus Todo-poderoso, o Criador, tendo recebido as funções de dominar (râdhâh) e sujeitar (kôbhash) a terra. Este era o seu status original dado por Deus: ser senhor do mundo. No entanto, não é possível deixar de mencionar alguns poderes, ou características que o homem "perdeu", como: a santidade, o amor, a boa vontade, a justiça, a luz e a vida eterna, ainda que não tenha perdido "in toto" a capacidade de desenvolvê-los. De dominador o homem passou a ser dominado. Em Deus, aqueles poderes agem com um perfeito equilíbrio manifestando, constantemente, estas outras qualidades.
[3] - Este relato nós o encontramos nos textos da Gênesis, nos capítulos de 4 a 11.  Veja   BERKHOF, L. Teologia Sistemática. 5. ed. Espanhola, Revisada.  Grand  Rapids:  T.E.L.L,  1981. p. 238 - 249.; CARRIKER, Timóteo. Missão Integral. Uma  Teologia  Bíblica. ed. s/n. São Paulo: Sepal, 1992. p. 19 - 20.;  FINNEY,  Charles G. Finney's  Systematic  Theology.  ed.  s/n.   Minneapolis:  Bethany Fellowship, 1976. p. 71 - 114, 150 - 164.; LANGSTON, A. B.  Esboço de Teologia Sistemática. 5. ed. Rio de Janeiro: JUERP, 1977. p. 34 - 35, 130 - 145.; STRONG, Augustus  H. Systematic  Theology.  32. Printing. Old Tappan:  Fleming  H.  Revell Company, 1979. p. 497 - 532.; TILLICH,  Paul.  Teologia Sistemática. ed. s/n.  São  Paulo: Paulinas e Sinodal, p. 217 - 218, 269 - 282.
[4] - Um desenvolvimento  muito  rico, desta idéia da "MISSIO-ECCLESIÆ, e também da MISSIO-DEI, podemos encontrar em: CARRIKER, Timóteo. Missão Integral.  Uma  Teologia  Bíblica. ed.  s/n. São Paulo: Sepal, 1992. p. 36, 167, 168, 170, 267.
[5] - É preciso entender que a tarefa da redenção é obra exclusiva de Deus. Somente Ele pode regenerar o homem. No entanto, a parte que cabe aos homens escolhidos para atuarem nesta tarefa, diz respeito ao anúncio sobre esta redenção e dos meios como ela se processa. Veja dentro de seu contexto próximo, o texto de Rm 1.5.
[6] - Veja   Gn 12.1-3;  Is 52;  61;  Ez 2; 3;   Mt 21.23-27;     Mc 11.27-33;   Lc 20.1-8;  Mt 28.18-20;  Lc 24.44-49;  Jo 15.16;    Jo 17.13-21;  At 1.6-8;  Rm 1.1-7; I  Co 1.1-3;  Gl 1.1-5;     Ef 1.1-2; I Tm 1.1-2; Tt 1.1-4; I Pe 1.1-2; Ap 1.
[7] - Veja nota de rodapé nº 11.
[8] - Veja Mt 20.20-28; Mc 10.35-45; Lc 12.13-15; 20.45-47; Jo 6.22-27, 60-71; 12.20-43; 19.10-16; I Pe 5.1-4; III Jo 9-11. Veja ainda: DEKKER, John. Tochas de Júbilo. 1. ed. Miami: Vida, 1988. p. 55, 132, 169 - 170.; NEILL, stephen. História das Missões. 1. ed. São Paulo: Vida Nova, 1989. p. 526 - 527.; RICHARDSON, Dom. O Totem da Paz. 1. ed. Belo Horizonte: Betânia, 1978. p. 29-79.; TUCKER, Ruth A. "...E Até Aos Confins  da Terra."  1.  ed.  São Paulo: Vida Nova, 1986. p. 449 - 516.

quinta-feira, 31 de março de 2011

A Igreja


A Igreja é a instituição do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. É a Ekklesía[1] e a Koinonia, é a reunião e a comunhão dos remidos do Senhor com o Seu Senhor e de uns com os outros. A Ekklesía é a assembléia dos munícipes para tratar dos assuntos, do governo, da polis. Nesta simbologia maravilhosa os remidos do Senhor são separados, retirados do governo deste da carne, deste mundo tenebroso, da morte, das trevas, do inferno e vivem na Koinonía, na comunhão, debaixo da autoridade, da dignidade, do domínio, do governo, do poder e da soberania de Deus,
Ela cresce normalmente, de forma espontânea, sob a ação do Espírito Santo que a capacita com dons para que todos sejam tratados, sarados e edificados..
Quando voltamos os nosso olhos para o ensino do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo entendemos que a Igreja, o Seu Corpo, é o sujeito executivo da missão que Deus deixou aqui na terra. O texto bíblico nos faz pensar na Igreja Universal e na igreja local.[2]

3.2.2.1 - Quanto à Igreja Universal  
> Germina. [3]
> Recebe treinamento.[4]
> Recebe a ordem ou comissão.[5]                                                             
> Recebe a promessa.[6]
> Recebe a capacitação. [7]                              
> O Senhor está sempre no meio dela.[8]
> Será arrebatada.[9]

3.2.2.2 - Quanto à igreja Local > Voltemos os nossos olhos para Mt 18.15-20 e At 13.1-4.
            É preciso não perder de vista o conceito dinâmico de Igreja; encontrar e entender e viver o conceito de Igreja, da perspectiva do Reino de Deus (autoridade, dignidade, domínio, governo, poder e soberania de Deus). De acordo com os ensinos do Novo Testamento pode-se conceituar Igreja como sendo: o organismo criado e estabelecido por Deus para tratamento do eu e do outro doentes, enfermos, a fim de que e até que sejam aperfeiçoados segundo a imagem de Cristo mesmo.[10] Assim será possível perceber como este conceito é diferente do conceito de uma comunidade pois o Reino de Deus é dinâmico. Não é questão de limite geográfico, estático.

            Hoje sabe-se que não existe uma comunidade, no sentido original da palavra, onde todos fazem e buscam o que é comum para todos, afim de todos poderem usufruir do mesmo bem comum. Os diversos interesses manifestados no grupo social dos crentes têm desvirtuado o real sentido de comunidade. Além disso, é preciso tomar cuidado com a institucionalização da igreja tentando dar-lhe uma estrutura que seja bíblica. De fato a Igreja é uma instituição do Senhor Jesus Cristo. Mas quando o homem, na igreja local lhe dá uma estrutura que não tem nada a haver com o Reino de Deus, ela sofre muito. A história tem demonstrado que muitas destas estruturas têm engessado a igreja local impedindo-a de realizar a missão que ela recebeu do Senhor Jesus Cristo.
            Desta forma, quando pensamos em um projeto de crescimento da Igreja devemos definir ou estabelecer a diferença entre forma e sentido/significado, estrutura e princípios. Entendemos pela leitura do Novo Testamento que o princípio é dinâmico; a estrutura não! O nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo deixou princípios muito claros pelos quais a Igreja deve se nortear. No entanto, Ele não demonstra estar preocupado com a forma ou estrutura.
            Além disso, devemos não nos esquecer que a igreja é a  Ekklesía,[11] onde se desenvolve a koinonía entre Deus/homem e homem/homem, ainda que os interesses que motivam os homens sejam diversos. Ela foi instituída pelo próprio Senhor Jesus Cristo, que a edifica e capacita.[12]
            Veja que o Senhor Jesus Cristo tem um compromisso direto com a Igreja que é d'Ele mesmo e, é para esta Igreja que Ele dá a comissão da missão, cujo sentido básico diz respeito apenas a refletir a dignidade, a santidade, a sabedoria e a proteção de Deus, para todas as famílias da terra, que hoje nós chamamos de missão integral,[13] garantindo estar com ela todos os dias até à consumação do século;[14] e é à esta Igreja que Ele chama a atenção para  ouvir o que o  Espírito  Santo  diz.[15]
            Ao ouvir e atender ao chamamento do Espírito Santo a Igreja descobre os dons que existem dentro dela e deixa de correr o risco de cair na síndrome de Marcos seis: a síndrome da incredulidade.[16] Os parentes de Jesus Cristo não criam que Ele era o salvador, o messias. Muitos membros da Igreja não crêm que Deus pode usar todos os membros no sacerdócio de Deus.

            Somos Igreja! Mas, que tipo de igreja somos? Que tipo de igreja queremos ser? Como eu posso cooperar para que a igreja seja aquela que queremos? Quantos e quais dons espirituais eu recebi de Deus? Quantos dons naturais Deus me deu? Estou empregando os dons que Deus me deu na obra do Senhor? Como posso empregar os dons naturais que Deus me deu na obra do Senhor? Como posso empregar os dons espirituais que Deus me deu na obra do Senhor?
            A igreja que vive segundo a orientação e capacitação do Espírito Santo sabe perfeitamente que a missão não é primariamente sua e muito menos um modismo. Ela não cairá na onda que diz: agora está em moda falar de missões, e nem ficará num desvairado frenesi a querer desenvolver e executar uma técnica aqui, outra ali, outra além. Ela sabe que a missão é antes de tudo obra do Espírito Santo e que é para todo o tempo.

           A igreja que não aprendeu e que não vive os princípios do Evangelho de Cristo Jesus o nosso Senhor e Salvador não conhece a sua missão. Sem a Palavra de Deus, sem a visão de Deus, sem a revelação de Deus ela vai cair na improvisação, no laissez-faire onde cada um faz o que bem entende e o que quer com interesse no externo, no material e nos rebolados desenvolvidos de acordo com os princípios e o governo deste mundo tenebroso, sem nenhuma perspectiva e expectativa quanto ao seu ministério.[17] Se não tem expectativas não tem objetivos definidos.

           A Igreja se propaga e se planta no meio dos vários povos de maneira espontânea. Ninguém exerce um controle sobre esta propagação e plantação. Sem deixar de mencionar o trabalho maravilhoso dos pastores, dos obreiros, dos missionários, é evidente que a maioria dos crentes, gente de vida simples e humilde mas de caráter firme e sadio e uma qualidade de vida cristã inabalável anunciam sua fé em Cristo em qualquer circunstância, em qualquer lugar, estejam em liberdade ou em perseguição, em luta ou na tranqüilidade, em escassez ou em abundância de bens materiais. Assim eram as igrejas do Novo Testamento e do princípio da era cristã até o ano 300.
           
Donald McGavran diz o seguinte:
           
“Se hoje queremos um crescimento de igrejas como o do Novo Testamento, florescendo no clima do Novo Testamento, nós também devemos ser homens do Novo Testamento. Realmente podemos nos sentir em casa, na atmosfera da igreja do Novo Testamento, com milagres acontecendo entre nós, nossos diáconos e líderes sendo mártires e nossos membros correndo para fora da cidade?”

            A igreja existe como testemunha de Jesus Cristo no meio da sociedade. Ela tem que viver e demonstrar diariamente as implicações de Mt 5, 6 e 7. Das lições que aprendemos sobre a Igreja em Atos dos Apóstolos, enumeramos as seguintes:
            - a igreja desfrutava do favor do povo;
            - ela evangelizava, ganhava almas;
            - ela cuidava dos pobres e necessitados;
            - ela tinha uma liderança forte;
            - ela vivia no temor do Senhor;
            - ela era unida na oração e no partir do pão;
            - nela havia poder visto por sinais e milagres;
            - nela havia alegria no meio da adversidade;
            - ela tinha vontade de resolver seus problemas sob a direção do
               Espírito Santo;
            - Ela era guiada pelas Escrituras;
Hesselgrave diz que: “A Igreja é ordenada por Deus para conservar e transmitir a Sua verdade.”[18]

            Se hoje as circunstância desta propagação e plantação nos exigem uma estrutura para a igreja, vamos fazê-la para conduzi-la à maturidade dentro da flexibilidade que permite o livre trânsito e operação do Espírito Santo, a participação espontânea do crente, sempre valorizando mais as pessoas, que precisam crescer, para quem a estrutura foi montada, do que a própria estrutura. Não se esquecendo que a vida espiritual vem antes do crescimento espiritual. No entanto, não se pode perder de vista que para ter vida espiritual é preciso nascer de novo: novo nascimento vem antes de vida espiritual.
            Como formar uma organização básica que poderá fornecer a orientação e a cooperação para estender as fronteiras da Igreja, definindo objetivos gerais e específicos, estrutura e funcionamento?

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Apenas começamos a esboçar algumas linhas gerais de pensamento sobre a Igreja. O assunto não está concluído. Há muito o que aprender; há muito que viver. Continuaremos, numa outra oportunidade.
Deus nos abençoe!

Stephenson Soares Araújo.
07/09/1993.



 [1]- Veja Mt 16.18.
 [2]- Usamos o termo Igreja com “I” como o encontramos no Novo Testamento, designando o corpo de Jesus Cristo, a reunião dos remidos do Senhor de modo universal; e o termo igreja local com “i” designando os vários seguimentos denominacionais existentes por este vasto mundo. Veja Mt 16.18; 18.17.
 [3]- Veja Mt 16.18.
 [4]- Todos os quatro evangelhos nos ensinam que a Igreja foi treinada pelo próprio Senhor Jesus Cristo. Mas veja Mt 10.
 [5]- Conforme Mt 28.18-20; Mc 16.15 e Lc 24.44-49.
 [6]- Em Mt 28.20 ocorre o início da promessa da capacitação advinda da realidade da presença de Jesus mesmo com seus discípulos até os fins do tempo ou seja até o fim do século. Mas em Lc 24.49 bem como em Jo 16.12-15 a promessa é reiterada trazendo à memória aquela feita pelo Pai, lá em Isaías (Is 44), Ezequiel (Ez 36) e em Joel (Jl 2.28-32), assim como ela é reforçada em At 1.8.
[7]- A narrativa do cumprimento desta capacitação como descrita em At 2.4 nos impressiona por ver o Espírito Santo fazer o reverso de Babel. Lá ninguém entendia ninguém! Aqui os discípulos falavam em outras línguas, em línguas que eles não entendiam, não tinham estudado, mas os povos estavam entendendo o que se falava!... Encontramos  o mínimo de  16 (18) nações, povos, ouvindo a mensagem de Deus, em suas próprias línguas:  At 2.9 = 8 línguas, At 2.10 = 6 (8) línguas, At 2.11 = 2 línguas.
[8]- Veja Mt 28.20; Ap 1.12-2.1.
[9]- Conforme I Ts 4.13-18; II Ts 2.1-12.
  [10] - Veja a beleza deste ensinamento em Ef 4.7-16 e Cl 3.12-17.
[11]- A palavra Ekklesía aparece 115 vezes no Novo Testamento. 2 vezes nos evangelhos: só em Mt 16.18 e 18.17. 24 vezes em Atos; 6 vezes em Hb, Tg e Jo; 20 vezes em Apocalipse. Seu maior uso é nas cartas de Paulo.
 [12]- Veja  Mt 16.18-19; Ef 4.13.
 [13]- No desenvolvimento da missão integral a Igreja toda trabalha junto com Deus, conforme Sua orientação, segundo a visão integral que Deus tem do homem, para suprir todas as suas necessidades. Na missão integral não se dicotomiza ou tricotomiza o homem.A Igreja se reune para orar (At 2.42; 4.24, 31; 12.5), para levar a Palavra de Deus (At 2.42; 15.21,30-31), para o partir do pão (At 2.42; 20.7), para ouvir a pregação (At 20.7), para aprender a doutrina (At 2.42), para a adoração (At 2.47) e para enviar os apóstolos (missionários) (At 13.1-4).
 [14]- Conforme, Mt 28.18-20.
[15]- Veja Ap 2.7,11,17,29; 3.6,13,22.
 [16] - Veja Mc 6.1-6.
[17] - Veja Pv 29.18. 
[18] - Veja I Pe 2.9.

domingo, 20 de março de 2011

O Pastor e a Missão da Igreja


Eis aqui três realidades incontestes. Elas estão intimamente ligadas; são interdependentes. Nenhuma existe sem a outra, embora sejam distintas. Elas não são geradas de si mesmas. São geradas por outra realidade. O maior, o único, Deus.

Ainda que o título do presente artigo apresenta o pastor e a missão da Igreja vamos traçar um caminhar  de reflexão do status e papel pastoral a partir da missão. Ele existe por causa  dela. Gastaremos um bom tempo refletindo sobre o Pastor, a Igreja e a Missão. É reflexão de vida. 

1 - A MISSÃO

A Missão não existe de si mesma. Ela depende de sujeitos. Ela é de alguém e é desenvolvida por alguém. Como repensar o conceito da Missão? A princípio, deve-se entender que este termo não existe na Bíblia e é polissêmico.

Missão vem dos verbos mittere e missum[1] do latim, cujo sentido próprio é deixar ir, deixar partir, soltar, largar, e posteriormente significou mandar, enviar, licenciar, despedir. Neste caso existe uma correlação com o verbo grego àpostéllo que também significa enviar. O substantivo feminino missiõnis tem o sentido próprio de despedida, soltura, libertação, mas cujo significado moral[2] é a ação de enviar, o envio. O substantivo masculino missus tem o sentido próprio de deixar ir ou enviar. O verbo missitõ tem o significado de mandar, enviar muitas vezes, repetidamente. Os termos latinos, normalmente, se referem àquele que enviou, que mandou, que emitiu autoridade. Missor é aquele que lança, que envia, que deixa ir.

Missão significa encargo, incumbência, mandato. Mandato significa autorização que alguém confere a outrem para praticar, em seu nome, certos atos para o seu bem. Isto é diferente de mandado, que significa aquele a quem mandaram, ordem escrita, que emana de autoridade judicial ou administrativa.

Antes de ampliar e aplicar o conceito, deve-se atentar ao fato, deduzido da análise da origem latina do termo, que a missão envolve, pelo menos, dois sujeitos: o enviador e o enviado. Além disso, percebe-se a  existência de um relacionamento íntimo entre eles, posto estarem trabalhando,  para atingir um objetivo comum, cujo maior interesse diz respeito ao enviador.

A história bíblica da criação do universo e do homem demonstra a vívida, profícua e produtiva relação entre o criador e a obra criada.[3] Mas um detalhe muito importante, e que não pode ser desprezado, aparece quando Deus delimita a liberdade de ação do homem, para proteção e manutenção deste relacionamento e da vida mesma.[4] No entanto, o limite foi ultrapassado.[5] O relacionamento foi quebrado em dois níveis: criador/criatura e criatura/criatura.[6] Então o texto bíblico revela que o próprio Deus toma a iniciativa de reatar este relacionamento e define a estrutura e o modelo, a maneira como isto será realizado.[7]

2 -  A MISSIO-DEI

            A este trabalho de reatar o relacionamento quebrado, denominamos de MISSIO-DEI, ou seja, A MISSÃO DE DEUS: O próprio Deus está trabalhando para libertar o homem, escravo de si mesmo, do pecado e de satanás, trazendo-o de volta à verdadeira comunhão com Deus mesmo, e com o próximo, reatando o relacionamento quebrado. É ainda o trabalho que Deus faz, para capacitar o homem, para que este execute em nome de Deus, o trabalho de levar a mensagem da boa nova de redenção, da disposição de Deus em reatar o relacionamento quebrado, para que estes se voltem para junto de Deus, para o bem do homem e para a glória do próprio Deus.
            Veja que a Missio-Dei, somente Deus pode executar. Somente Deus pode trazer de volta a Ele o homem que d'Ele se afastou. Somente o Espírito Santo convence e converte o homem a Deus e capacíta-o a levar a mensagem da redenção para os outros homens.[8]


3 - A MISSIO-ECCLESIAE

            O Deus eterno, o todo poderoso, não trabalha sozinho. Quando da criação do homem, Ele usa o verbo fazer no plural: façamos, mostrando que Ele age em grupo,[9] aquilo que podemos denominar de comunidade celestial, a família celestial. Depois, ele manda  ao homem, administrar adequadamente a obra criada, numa demonstração de confiança e aceitação.[10] Disposto a abençoar todas as famílias da terra, ele chama um rapaz por nome Abrão, faz com ele uma aliança, envía-o com esta tarefa específica e lhe muda o nome para Abraão.[11]
            Mais adiante, o próprio Deus, o Deus impossível de se ver, manifesta-se aos homens na pessoa do Senhor Jesus Cristo, para consumar a obra do restabelecimento do relacionamento vivo entre Deus/homem e homem/homem. Quando de sua volta aos céus, o Senhor Jesus ordenou aos seus discípulos que fossem a todos os cantos da terra, a todas as nações, a todos os povos, para fazer dentre eles, novos discípulos para o Senhor mesmo. No entanto, ele não os deixou sozinhos, desamparados. Ele mesmo prometeu estar com eles, e isto naturalmente nos faz entender o Seu carinhoso trabalho na manutenção do relacionamento, até aos fins dos séculos.[12]
            Para John Stott:[13]

"Missão é uma atividade de Deus, originada da própria natureza de Deus. O Deus vivo da Biblia é um Deus enviador, o que é o significado próprio de missão. Ele enviou os profetas para Israel. Ele enviou Seu Filho para o mundo. Seu Filho enviou os apóstolos, os setenta e a Igreja. Ele também enviou o Espírito para a Igreja e hoje, envía-O para dentro dos nossos corações."

            A MISSIO-ECCLESIAE, ou a MISSÃO DA IGREJA, como enviada que é, se refere a: Levar a denúncia do estado de degradação e degeneração (moral, espiritual, social e físico) do homem, por causa do pecado, que provocou a interrupção do relacionamento com Deus e com o outro homem. Levar também, o anúncio, o ensino, a proclamação e a pregação das boas novas da redenção, da salvação, do Reino de Deus, a toda a criação, para que esta seja, de fato e de verdade, alcançada de maneira integral pelo Deus eterno, criador e sustentador, que quer, de maneira viva, ordenar tudo o que foi desorganizado com a entrada do pecado no mundo, não importando com que roupagem cultural ele queira se esconder.
            No entanto, ao fazer esta denúncia e este anúncio, a Igreja tem que "desafiar" a criação a se submeter ao Reino de Deus: ao poder, ao domínio, à autoridade, à soberania e à dignidade do Deus eterno, o criador do céu, da terra, do mar e de tudo o que neles há, o Pai de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Havendo uma reação favorável, ela tem por obrigação moral o dever de congregá-los e ensiná-los tudo o que o Senhor Jesus mandou. Isto é fazer discípulos!...
            Percebe-se que a MISSIO-ECCLESIAE, ou a MISSÃO DA IGREJA, é abrangente, ela engloba tudo o que a Igreja deve fazer para alcançar o homem afastado de Deus, numa dupla vocação: sendo sal sobre a terra e luz para o mundo. Em 1974, os participantes do Congresso Internacional de Evangelização Mundial, realizado em Lausanne - Suiça, com o coração compungido reafirmaram a posição bíblica de que a MISSÃO DA IGREJA engloba a Evangelização e a Responsabilidade Social.[14] No entanto, é preciso tomar cuidado com esta afirmação, pois ela, naturalmente, tende a levar o homem à uma luta por uma suposta necessidade de que precisa encarar as partes em termos de prioridade. Quem é prioritário? A Evangelização ou a Responsabilidade Social? O próprio John Stott afirma que o evangelismo é prioritário. O risco da dicotomia na Missão da Igreja pode ser encarado como um entrave para esta exercer sua tarefa. Por isso, o missiólogo Sul-Africano, David J. Bosch fez um acréscimo muito importante no  conceito de Missão da Igreja defendido por John Stott em Lausanne 1974. Ele diz o seguinte:

"... em seu compromisso missionário, a Igreja sai de si mesma para o mundo exterior. Cruza toda classe de fronteiras e barreiras: geográficas, sociais, políticas, étnicas, culturais, religiosas e ideológicas. A Igreja leva a mensagem da salvação de Deus a todas essas áreas. Na realidade, a missão implica estar envolvido na redenção do universo e na glorificação de Deus."[15]

            A MISSÃO DA IGREJA origina-se da própria MISSÃO DE DEUS, e é para ser modelada nela. A palavra de Jesus para os discípulos salienta que: "... Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio."[16] Sua base de autoridade é a própria autoridade do Senhor Jesus que disse: "... Toda autoridade me foi dada no céu e na terra."[17] Atualmente estamos falando da MISSÃO INTEGRAL DA IGREJA,  ilustrada no diagrama abaixo, da sua ação que desenvolve ao mesmo tempo, a liturgia, a didaskalia, a diaconia e a poimenia equilibrados, anunciando todo o evangelho, por toda a Igreja, para todos os povos, em todo o tempo.[18]


4 - O PASTOR É UM MISSIONÁRIO

O Pastor é um missionário. A palavra missionário não existe na Bíblia. É um termo que vem do latim e é correspondente ao termo grego apóstolos cujo sentido é mensageiro, enviado. O que é o missionário? O missionário é o escolhido, chamado e separado por Deus e que segue ao Senhor;[19] é o capacitado e o enviado;[20] é o ministro por intermédio de quem as pessoas  crêem em Deus;[21] é  o colaborador de Deus;[22] é o  embaixador de Cristo para a obra da reconciliação do homem com Deus;[23] é o diretor sábio de obras, que lança o fundamento, o alicerce da obra do Senhor.[24] Ele é apenas o servente. Apenas servo; nada mais que servo. Nada de ser colonizador; nada de ser senhor; nada de ser imperador; nada de ser rei. Apenas um vaso de barro onde aparece a beleza e o brilho do Diamante ou da Pérola. É apenas uma bilha de barro! Mas dentro dele tem água fresca saída do manancial de Deus, para tirar a sede das nações sedentas. Jamais o Pastor esquece textos como: Mt 5.13-16;  I Co 4.2; II Co 8.21.

A missão da redenção do homem pecador é sem dúvida a obra mais importante e mais séria que existe na face da terra. Portanto, o pastor não admite, e muito menos permite, fazer a obra sem as qualificações necessárias para tal, seja ele obreiro plantador de igreja ou cuidador de igreja  já plantada.

Ele é homem de confiança da igreja e da sociedade, de boa reputação, cheio do Espírito Santo e de fé, e de sabedoria.[25]

Ele é homem atento ao que Deus quer - que quer querer o que Deus quer - que ele faça, que está atento à orientação do Espírito Santo. Isto porque, para que haja um profícuo desenvolvimento do trabalho da Missão Integral da Igreja existem duas chamadas: O Espírito Santo chama a pessoa, e avisa tanto à pessoa quanto à Igreja; a este fato damos o nome de Chamado Interno. O outro chamado, é que tendo a Igreja ouvido a voz do Espírito Santo sobre o chamado do obreiro, ela Igreja o manda, envia este mesmo obreiro; a este fato damos o nome de Chamado Externo.[26] O Pastor entende que é preciso haver as duas chamadas; a chamada interna e a chamada externa, e que o perigo é haver uma chamada externa sem haver a chamada interna, como sempre temos visto acontecer.

O Pastor sabe que precisa de pelo menos quatro coisas muito importantes para desenvolver bem o seu trabalho: - convicção da chamada e escolha por parte de Deus;
                                 - pessoas levantadas por Deus para trabalhar com ele;
                                 - métodos e planos corretos dados por Deus, e
                                 - inteira e exclusiva dependência do Espírito Santo de Deus.
Ele é obediente à comissão que Deus lhe deu. Ele ama o Senhor, a Palavra do Senhor, o povo do Senhor e a obra do Senhor.

O Senhor Jesus Cristo, que enviou os seus apóstolos mediante a sua grande comissão, foi o primeiro a obedecer inteiramente à sua própria comissão.[27] Da mesma forma, o apóstolo, ou missionário, ou evangelista, o corajoso desbravador é o homem que abre as picadas com profunda e terna compaixão, buscando, nos montes e nos vales, a ovelha perdida, pregando as boas novas pelo amor que redime. Professores: ganhadores e consolidadores.

O Pastor pode ser obreiro de tempo integral ou obreiro de tempo parcial, aqueles que hoje são chamados de: os fazedores de tendas, homens e mulheres que usam a sua profissão a serviço da missão. Mas ele não se esquece que deve estar disposto a ser transformado. Ele não se encontra pronto; ele vai ser trabalhado e vai ser formado o obreiro que a missio-Dei/missio-ecclesiae precisa ter.  Seu caráter é ilibado. Sua personalidade está em constante transformação para o melhor.      
Atento à voz do Espírito Santo, quando qualquer decisão tem que ser tomada e não há sinal de paz interior dentro do obreiro, espera pelo Senhor e no Senhor.  Ele sabe que não precisa ter todos os dons para ser bom obreiro. Precisa, na verdade, é ser fiel. Pistós.[28]Porém, precisa do poder do alto, poder do Espírito Santo, para ser bom obreiro. Por esta razão o obreiro faz uma guarda de oração - uma vigília de oração - pela igreja, durante as 24 horas do dia; com uma pessoa por hora. Ele tem pessoas para isso. Ele não se deixar afobar por causa da situação crítica do campo e/ou das Igrejas.
           
Numa outra oportunidade continuaremos a nossa reflexão sobre nossa vida – o Pastor, a Igreja, a Missão. Nesse momento não tivemos tempo e falar sobre a Igreja. Não faltará oportunidade.

Deus nos abençoe!

Stephenson Soares Araújo.
25/11/2000

  [1] - FARIA, Ernesto. Dicionário Escolar Latino Português. 6ª ed., 2ª tiragem, Rio de Janeiro: FAE, 1985. p 343. 
  [2] - Ibid., 342.
[3] - Veja Gênesis 1 e 2.
[4] - Veja Gn 2.15-17.
[5] - Veja Gn 3.1-6.
  [6] - Veja Gn 3.7-4.24.
 [7] - Veja Gn 3.9, 11, 15.
 [8] - Veja Rm 1.1-6 e II Co 5.18-20.
 [9] - Veja Gn 1.26-27.
[10] - Veja Gn 1.28; 2.15,19-20.
 [11] - Veja Gn 12.1-3; 17.4-5.
 [12] - Veja Mt 28.18-20.
 [13] - STOTT, John R. W. The Biblical Basis of Evangelism. In: LAUSANNE. International Congress on World Evangelization. Let The Earth Hear His Voice. J. D. Douglas (ed.), n. print., Minneapolis: World Wide, 1975. p 66. (A traducão nossa.).
 [14] - LAUSANNE. International Congress on World Evangelization. Let The Earth Hear His Voice. J. D. Douglas (ed.), n. print., Minneapolis: World Wide, 1975. 1471 p.
[15] - BOSCH, David J. Evangelismo. In: Mission. Dezembro de 1977. p 7-14. (Tradução nossa.).
[16] - Jo 20.21.
 [17] - Mt 28.18.
[18] - A leitura dos textos alistados a seguir, por certo abrirão a visão do leitor, sobre a realidade da Missão Intergral da Igreja: Gn 12.1-3; Mt 4.23; 9.35-38; 4.19 e 28.19; Mt 24.14; Mc 1.32-34, 38-39; Lc 2.51 e Jo 19.25-26a; Jo 20.11-18; At 1.8; II Tm 4.1-2; Ap 5.9-10; 7.9-10; 10.11.
 [19]- Conforme  Mt 4.18-22;  Rm 1.1;  I Co 1.1; II Co 1.1; Gl 1.1; Ef 1.1; Fl 1.1; Col 1.1; I Tm 1.1; II Tm 1.1; Tt 1.1; Tg 1.1; I Pe 1.1; II Pe 1.1; Jd 1.
 [20]- Conforme Mt 4.19; 10.1-42; 28.18-20; Mc 16.15; Jo 17.18; 20.21-23.
 [21]- Conforme I Co 3.5.
  [22]- Conforme I Co 3.9.
 [23]- Conforme II Co 5.20.
  [24]- Conforme I Co 3.10.
 [25]- Veja At 6.3.
 [26]- Veja At 13.1-4
 [27]- Veja Hb 3.1; Jo 6.38; 10.36; 17.18; 20.21. Apóstolo, profeta, evangelista, pastor, mestre. Todos em Cristo Jesus, conforme Ef 4.11. 
[28]- Veja I Co 4.2.